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  • Foto do escritorApoena Torres Forte de Lima

A Caverna (o conto)


Capítulo I

Bernardo deambulava pelos caminhos que faziam-se do pomar abundante de seu pai às rentáveis lavouras de mogno, trazia em companhia Marina, doce menina urbana, que talvez em razão deste último, vinha deslumbrada com as relvas de pequenas flores que juncavam o chão que pisava, algumas, ao simples toque, embrulhavam-se para si, e semelhante movimento vivaz a cativava os olhos. Na contígua precipitação do dia, o sol ruborizava as nuvens, jamais havendo arrebol tão lindo.


A tarde era um júbilo, precedida de um lauto almoço, sendo Marina e sua família, visitas no rancho do pai de Bernardo. Este último, imbuído de grandes desvelos paternais, adorava realizar os caprichos do filho Bernardo, da mesma maneira que do outro também, incluindo a esposa; mulher de inigualável amabilidade, extremosamente dedicada ao exercício maternal, doava-se dia após dia, incansavelmente, em prol das crias.


Capítulo II

As duas famílias tornaram-se amigas porventura, os pais trabalhavam juntos; eram funcionários do estado. O trabalho, no âmbito do sistema capitalista atual, tem por meio de produção o trabalho social, e este, forçosamente, induz o contato dos trabalhadores, e, assim, o tempo revela quais relações são manifestamente salutares. De tal sorte, compôs-se pelo tempo, inefável amizade entre Fonseca, pai de Bernardo, e Roberto, pai de Marina.


As visitas entre si eram amiúde, nessa sociabilidade deliberada, ensejou, também, a amizade entre os membros das famílias, das duas genitoras, Maria, mãe de Bernardo, e Joana, mãe de Marina. As duas criaram um laço doce, de extrema deferência; eram ambas muito políticas, e sorviam a noite como brincadeira ao falarem-se sobre. Os homens, muito embora de compleição estética formalíssima, e física, rija, eram ambos ignaros ao que compete aos problemas e resoluções da sociedade humana.


Capítulo III

Foi muito natural o gradual entrelaçamento das famílias, dadas suas singularidades e tratamentos. E não por fora, como supracitado, ficaram os filhos; Joana dera à luz a somente Marina, sendo filha única do casal. Bernardo já tinha em companhia um irmão caçula, Raul, 2 anos ainda. A amizade de Bernardo e Joana, conhecidos desde pequenos ao que passava agora já púberes, ganhou uma expansão de intimidade nesse decorrer, de tal maneira, que, sempre que podiam, estavam desfrutando da maviosa presença um do outro.


Marina, galgando, ano em ano, naturalmente, um ano a mais, galgava também a mais um surto de esplendor. Sua pele parecia uma copo-de-leite, era nívea como a borboleta-branca recém pousada sobre as folhas molhadas de orvalho da manhã de inigualável invernada no sul brasileiro. E em cada busca que punha sobre sua superfície os olhos, convinha-se que era uma genuína expressão da natureza; conquanto os cabelos rubros, que desciam cosidos às faces níveas e tocavam em último o fim das costas, na cintura esbelta; mais se assemelhavam a erupção de um vulcão de cuja lava, no alto do cume de uma montanha, recaia sobre a areia branca.


Bernardo era um rapaz de módica beleza, em vista dos paradigmas da época. Tinha cabelos pretos como o breu e fulgurosos como os pelos de um cão servido à quirela e vísceras, almoço e janta. Era de compleição física mais intumescida, de estatura modesta. O gosto por política era congênito, herdado de sua mãe. Por pai, sem dúvidas, herdou a intrepidez e a imponência dos gestos.

Capítulo IV

Em insigne tarde, Bernardo passeava à companhia de sua estimada amiga Marina, e ela que era, muitas vezes, retida pelos pais em virtude do zelo exacerbado, fruto este que em tenra idade é amargo, é fel, mas que à luz do amadurecimento da mais idade, torna-se doce e, devidamente, considerado. Contudo, sob os olhos atentos e fraternos de Bernardo, cuidavam nada suceder, e, portanto, davam-na liberdade para passeio.


— Apressa-te, Marina, o tempo não a espera, disse Bernardo já enfadado da pachorra da amiga.

Bernardo estava entusiasmado por andar pelos campos, pois já não o fazia há tempos, posto que suas visitas ao rancho eram, paulatinamente, mais escassas. Os estudos lhe assoberbavam o tempo, e, pois, fazia ao alcance para o bom aproveitamento na curta estadia no rancho, que tinha por nome Vale das Candeias.


— Não me apoquente, Bernardo, tudo a seu tempo, dizia Marina com grande placidez.


Com saída já em vista, tratou Joana de fazer as recomendações pertinentes a ocasião e ao desencargo de consciência de uma mãe ciosa.


— Trate de cuidar-se, Marina, ponha-se sempre imediata atrás de Bernardo; não o perca de vista e nem pensar de temeridades... dizia Joana com sua rispidez usual, até ser cortada.


— Está bom, tá bom! Deixe a menina, Joana, dizia Roberto, nada de mal pode se suceder em meio a suavidade própria do mato.


— É verdade, camarada! Aqui as coisas são calmas. Além do mais, com um troglodita de tal porte como segurança, rhum! Disse Fonseca com sarcástica risada.

— Vão, crianças, para que não cheguem tarde, ordenou Maria com sua graciosa entonação.


Pegaram o caminho, era logo após a sesta, o sol ainda ardia a pino, obrigando-os, hora em hora, a abrigarem-se do sol sob as arvores frutíferas, das quais aproveitavam para usurpar em merenda uma fruta. Fonseca era um verdadeiro amante do cultivo, muito laborioso e cuidadoso, tinha já pra lá de três dezenas de qualidades frutíferas. Era um verdadeiro oásis aos dois amigos e em ciência que tinham da abundância, pois, cuidaram de serem modestos no almoço para esbaldarem-se cá fora.


Capítulo V

Na sede do Vale das Candeias, a sargentona, Joana, mais tesa que de ordinário, fitava o olhar no horizonte, qual, aos poucos, as crianças iam tomando tamanhos cada vez menores, até sumirem de vista. Maria, capciosa, acudiu, vendo o semblante acabrunhado da amiga.


— Marina já não é criancinha para tamanha preocupação, Joana, deixe estar.


Joana, absorta que estava, escutou, entretanto, não ouviu o apelo da amiga. Havia nela uma preocupação cuja razão permanecia implícita e reservada somente a sua consciência.

Portanto, respondeu meneando positivamente a cabeça.


Capítulo VI

O pai de Bernardo, assim como de Marina, já não desfrutava da companhia das senhoras, estavam pelos arredores da sede, mostrando e conhecendo lagos e árvores.


— Que belíssimos ares, disse encantado Abelardo.


Os trilheiros, satisfeitos do lauto lanche frutifico, perdiam-se em tempo e no campo, divagando.


Capítulo VII

O sol já se incitava a debruçar-se sobre os morros do horizonte infindo, quando nem pensavam em regressar o casal de amigos. Mas a noite era fria, a mata que cercava as lavouras era densa; quando noite, lúgubre, e albergava as mais variadas criaturas, presas e predadores. As aves noturnas orquestram os bramires...os gritos da noite; a mãe-da-lua, quando em quando, solta sua aterradora gargalhada, parecendo escarnecer dos que têm medo. E de tudo isso sabia Joana, e muito mais! Aqui, sua preocupação (de Joana) é, aos poucos, esclarecida ao leitor.


Ela havia ouvido, em infância, a história da família Ribeiro, na Caverna, uma região não muito distante do Vale das Candeias, espacialmente, porém, as duas regiões não conversavam entre si. Conta-se que há muitos anos, nesse lugar, um pai esperou pela filha a chegar da escola, ela não contava mais que 9 anos, era pequena, de cabelos longos e pretos, os olhos levemente puxados, que mais candura lhe davam. O transporte escolar deixava-a num ponto, em meio do caminho que cortava um denso bosque, e, todos os dias, seu pai, lá mesmo, a esperava para leva-la para casa; não obstante, um fatídico dia, atrasou-se, e os motivos que determinaram o atraso não convém, ou de pouquíssimo vale, ressaltar. Mas, ao chegar no usual ponto de encontro espantou-se e contrariou a expectativa de a tê-la esperando-o, pois não era praxe o transporte atrasar.


A princípio, cuidou não mais ser que um extraordinário atraso e desencontro, porém, o tempo voou, e aos ares alçou sua preocupação. Foi procurá-la junto a alguns vizinhos que se prontificaram, começaram nas cercanias do ponto e aumentando o raio. Logo, no inicio das buscas, um dos vizinhos achou um pé de sapato infantil que já supôs assertivamente ser o da menina, e, logo adiante, achou um rastro de sangue que levava a uma caverna. O vizinho, a cada passo, achava os seus restos esgarçados e uma lança lhe pungia transpassando o coração, e os olhos não sustavam o pranto estrépito.


O pai ao saber do que sucedia ficou indescritivelmente desolado, despovoou-se, por instantes, todos os sentimentos do seu inconsolável e deserto coração. Sua vida era paupérrima, de muito labor sertanejo, era suada e sem retribuições à altura. Mas a filha era seu arrimo e razão de vida.

Ao chegarem na caverna depararam-se com a menina desvanecida para todo o sempre. E por todo o caos lhe arrebatarem não cuidaram do que ou quem havia perpetrado aquele crime facínora; até a verem, a grande rainha felina das américas, onça pintada. E a história aterradora da tragédia da família Ribeiro ungia da mais pavorosa inquietação o coração de dona Joana.


Capítulo VIII

Havia uma pequena cachoeira contígua. E o tempo passou, os minutos escorreram como a água que abraça a última rocha antes do precipício, tão rápido abraça-a, desgalga-se dela caindo à livre queda. Passaram parte do tempo sentados. Foram bem adiante, mas vendo horas, decidiram regresso, e, ao passar novamente pela cachoeira, felizardos da cativa companhia que mutuamente faziam-se; tropeçaram num pobre animal sôfrego pelas águas da cachoeira, vitimado dos cerceamentos da mata e dos córregos, à procura de abrigo e arrimo. Pouco se sabe ou nada, de quem assustou-se mais, os dois pularam para cá e o animal acolá.


O sol ainda os permitiam verem-se com clareza, e o casal logo percebeu que o pobre animal era pobre, talvez, só em sua atual condição, mas em si era um nobilíssimo animal, era uma onça pintada! Uma beldade da natureza, cuja obra prima se fez do primeiro bosquejo, ainda manchado de tinta preta – lhe dando destaque sobremaneira.


Capítulo IX

Enfim o medo de Joana concretizou-se, o pesadelo que trazia no recôndito de si, desentranhou!

Marina cingiu Bernardo pelas costas, assombrada, os olhos gritavam, surdos, o socorro. Bernardo não se deixara arrebatar pelo medo, sentia-se imbuído de resguardar a bela vida que lhe acompanhava; pôs-se intrépido e arguto.


— Corra, Marina! Traga quem me ajude.


— Vamos, Bernardo, disse-lhe Marina, alvoroçada. Está louco! Vamos! Ela vai nos pegar!


— Se juntos partimos, ela nos alcança, a ambos; como ordenei, só a mim ela tem. Vai! Disse Bernardo, impaciente.


Ela então correu, no chão como as lagrimas pela face; pranto de medo, salgado à covardia de abandonar à morte sua alma, que já não residia no corpo senão de Bernardo. Corria, também, de medo da onça e ojeriza de si, ganhou morros e planícies que lhe distanciavam da ajuda, e via esperança de que nessa ajuda achasse meio de redimir seu covarde coração.

O bramir da onça intimava-o ao confronto. Sabendo ele que seu recuo condicionava a bela Marina à desgraça, manteve-se rijo no ponto. Ante a temeridade o animal respondeu ao instinto de defesa, e, como meu pai dizia que “a melhor defesa é o ataque”, atracou os dentes grandes, pontiagudos, no Bernardo, e travaram ali mesmo um confronto muito desfavorável ao Bernardo, e rápido também. No lapso de tempo em que ela se espraiava para um lado, buscando o impulso para repetir o golpe, o rapaz avistou um pedaço de pau, qual partiu ao meio na cabeça do animal ao aproximar-se.


Em resultado, ei-lo, Bernardo, desvanecendo aos poucos pela hemorragia e acolá a onça, desmaiada. No entanto, antes de apagar-se, o rapaz ainda escutava tropel pelo mato...




Apoena Torres Lima.









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