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  • Foto do escritorJornal Pasquim Guaiás

PRECONCEITO LINGUÍSTICO: PODE O DIFERENTE FALAR?

Em minha defesa, “prometo de pé junto” que estas palavras não direcionam ofensas para os gramáticos, muito menos se pretendem a uma demonização da gramática, isso cairia num binarismo, e eu tento fugir dos binarismos, vejam bem, tento. A modernidade está sempre à espreita. Entretanto, antecipo uma ideia que defenderei ferrenhamente, por conseguinte: língua não é gramática. Prefiro dizer que o que pretendo aqui, como pós-estruturalista e pesquisador das lingua(gens) como práticas sociais, é alertar sobre o perigo de reduzir a língua a leis e normas prontas. Se fazemos/praticamos a língua, e estamos em transição a todo momento, por que ela não estaria? Ela é faceira e “rebenta, se recusa a estar contida em fronteiras”, já nos alertou bell hooks. As fronteiras da prescrição gramatical não dão conta de conter o que a língua representa e manifesta.


Antes de seguir com o caminhar das minhas opiniões, acho justo, já no início delas, considerar a importância da Gramática para a língua. Principalmente, se tratarmos da linguagem verbal escrita, e ao considerar a escrita como uma representação não fidedigna dos diversos modos de fala. O que convém à Gramática é a permanência da língua escrita. A língua falada me permite justificativas, já a escrita, nem sempre. Por isso é preciso que se estabeleça combinados nas formas de escrita, já que as diversidades dos vocábulos e dos variados significados linguísticos poderiam dificultar a compreensão da escrita.


Um texto escrito acessa diferentes espaços em diferentes épocas, por esse motivo, um estilo padrão de escrita beneficia a comunicação a que se pretende. Exatamente pela variação de significados, de uma classe para outra, de uma região para outra, de uma comunidade para outra. O cuidado que se pode ter, e que não é nada que se compare à descoberta da roda, é a adequação. (Re)pensar o lugar que ocupa a língua e que lugar ocupa a gramática.


Não é contraditório que um país que se afirme tanto na gramática para estranhar e violar outras formas de se praticar a língua, tenha um número estrondoso de analfabetos ou analfabetos funcionais? A última pesquisa, realizada no ano de 2023, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nos faz concluir sobre a dificuldade que a estrutura da escola que conhecemos hoje enfrenta, com a falta de políticas públicas de inclusão social, no ingresso, permanência ou retorno de crianças, jovens e adultos para a escolarização.


A escola como espaço que burocratiza a educação linguística, que quase sempre esquece que seus sujeitos já chegam até ela, falantes da Língua Portuguesa Brasileira, e que se dedica a reduzir a língua a concordância, coerência, regência verbal... a língua escapa a tudo isso, na dinâmica linguística em sua materialização de seus falantes, o que é, a poucos minutos não mais será. É maior do que qualquer tentativa estática de classificação, que mesmo assim, não chega igualmente na educação escolarizada, então, por que aprisioná-la nas masmorras gramaticais?


É nesse caminho sem curva, onde confundem língua com gramática e escrita como espelho da fala e vice-versa, é que caminham os preconceitos linguísticos. Há muito se fala sobre o preconceito contra a sotaque de determinadas regiões, ou até mesmo contra o “pretuguês” praticado cotidianamente por nós, que, a meu ver, surge como uma despretensiosa resistência à Língua Portuguesa culta, tal qual foi para os escravizados no Norte da América, com a Língua Inglesa. Surge como uma maneira de reinventar e refazer a língua que os foi imposta “goela à fora”. Uma contralíngua de dominação.


Além disso, observo que...


Há algo que precede ou sucede o preconceito linguístico: a desumanização do outro que fala diferente de mim ou distante das normas gramaticais. Numa sociedade periférica como o Brasil, que carrega as duras heranças de um processo colonial que inaugurou o preconceito linguístico nestas terras, ao aculturar os nativos que aqui viviam, inclusive ou principalmente, suas línguas. Vejo o preconceito linguístico como uma prática de recolonizar discursiva e simbolicamente determinadas comunidades e modos de se expressar.


As normas gramaticais da Língua Portuguesa Culta, como qualquer outra norma que surge nos berços do colonialismo, ordena sob os pretextos do “falar” e do “escrever” corretamente, com silenciamentos concomitantes, de falar e existir. É assim que a norma culta viola, também hoje em dia, as pluralidades linguísticas desta década e produz reações a novos sentidos, como o que acontece com a linguagem “neutra”. Propositalmente uso as aspas, pois nenhuma língua ou linguagem carregam neutralidade ideológica.


Observo que um dos principais argumentos que usam para deslegitimar a linguagem “neutra”, é “a importância de se falar o português corretamente”. Tanto é que em diversos Estados do Brasil proibiu-se que ela fosse usada nas escolas, com esse mesmo pretexto: a fidelidade à norma culta. Como ocorreu em Natal no Estado do Rio Grande do Norte. Leiam atentamente o que escrevo agora, ninguém consegue falar utilizando a norma culta o tempo todo, ninguém. Nem mesmo os/as tiktokers que se propõem a nos ensinar a “falar corretamente”. E mesmo que conseguissem, ela seria insuficiente ao tempo real e às necessidades que as relações humanas estabelecem.


Mas, seguindo a lógica não tão estrutural de se pensar o preconceito linguístico, na qual me sustento aqui, não seria mais coerente enxergar a reação imposta pelos conservadores e moralistas como uma maneira de silenciar corpos e gêneros que não se prendem a normas, sejam elas gramaticais ou sociais? A quem interessa falar assim? E se a nossa norma culta não tivesse sido pensada por homens brancos e ricos que a pensaram para que cumprisse com seus desejos e convenções? Não é o que tentam fazer hoje, praticando a passos curtos uma língua(gem) “neutra”? Afirmo que sim, a diferença é que não gozam de tanto poder. E as convenções que adotam sentidos e hierarquizam a língua, dependem do poder das pessoas que as impõem.


Sempre que confrontado, um modo de falar se orienta, antes, para o silenciamento não só da fala, mas do sujeito que a possui. E quais seriam os perigos deles falarem? Ora, qual é o motivo dos puristas postarem um vídeo por dia em ataque à língua(gem) neutra? Entenderam o perigo? O que é dito pode ser ouvido. Me despeço e reforço minhas desculpas aos adoradores de Dicionários. Escrevo com “D” maiúsculo, afinal não é com esse mesmo “D” que se escreve Deus?






Artigo produzido por Jonatan Damasceno, professor, Mestrando em Linguagens e Práticas Sociais no PPG IELT/ UEG e pesquisador no grupo de pesquisa DIVAS - Diversidades em Âmbito Social (UEG/ CNPq).

136 visualizações2 comentários

2 Comments


LOUISE LEITE MAROTINHO
LOUISE LEITE MAROTINHO
Jul 07

Ótima contextualização! Esse texto é um grito por aquelas/es que não tem espaço para produzir linguagens sobre si mesmas/os. Obrigada.

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Apoena Torres Forte de Lima
Apoena Torres Forte de Lima
Jul 07
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